quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Ganha-se a vida, perde-se a batalha

Estive hoje pensando sobre aqueles tempos passados, que o destino resolveu nunca mais tornarem a acontecer. E então acabei decidindo redigir esse texto. Escrevo em prosa mesmo, não por ser mais fácil, mas sim mais prático. A poesia exige tempo, espírito, inspiração e paciência, realizando um trabalho mágico de idealização e perfeição; a prosa, de outro lado, requer pouco mais que competência e, por mais que a queiram dificultar, se adapta mais a realidade mundana - e esse é o fim almeijado por mim.

O título, só por constar, já me veio pronto, ou seja, não é de minha autoria. A obra que o forneceu a mim certamente não apresentava o sentido que este virá a ter aqui, mas o caso é que foi o único que se enquadrou perfeitamente na minha situação. A última peça de um quebra-cabeças, eu diria: insignificante em número, mas sem ela não se conclui nada. Sobre a órdem das palavras, até agora não sei se perdi a vida e ganhei a batalha, ou se ganhei a vida e perdi a batalha. O espaço que a semântica dessas palavras abre em minha mente me faz divagar sobre diversas interpretações. De um lado, se a vida foi ganha, é porque considero esta como uma guerra, ou seja, um conjunto de batalhas. A guerra findou-se a meu favor, mas a batalha foi perdida. Explicarei melhor, especificando meu problema: a guerra trata-se de um conjunto interminável de coisas boas e ruins, e a batalha, este meu amor não correspondido e destruído dentro de meu peito, consiste em somente uma pequena parte dessa vida gigantesca, algo que irei superar e passarei novamente. Um ciclo eterno. Porém, se a batalha foi ganha e a vida perdida, é porque o orgulho - quiça o bom senso - me força a lutar pela cousa, e não pela causa, ou consequência, melhor dizendo. Estando-me cercado por este amor tirano, o receio de me deixar domar é tanto que recuo, e fujo para não me ter controlado por ele. E tendo feito isso, vem-me a saudade dela, do meu amor, da minha vida ( perdoem-me a melancolia, mas, vide todas as grandes obras da literatura, sempre um bom texto é mesclado com uma boa melancolia ). Ganhei a batalha, venci o amor, mas, tendo-o vencido, este me foi tomado. Perco então a amada, e a saudade me corrói, tirando-me a vida lentamente, como o abutre a roer interminavelmente o corpo de Prometeu.

Explicado o título, sigo ao conteúdo. Conteúdo este que nada mais é que memórias, como já mencionei. Lembrava-me hoje de uma tarde atípica, na qual talvez tudo tenha começado. O que sucedeu-se no decorrer daquela, em questão de detalhes, saberão aqueles que lá estiveram; só digo que, de certa forma, voltamos aos tempos clássicos. Ela, a amada, nada mais era que uma grande amiga, apesar de que eu nunca pude definir meu sentimento por ela como amizade. Aquele sorriso, os olhos, a boca ... Tudo ia me atraindo gradativamente, de modo que eu tragáva-me a ela. Os abraços, os beijos que me coravam o rosto, aquilo tudo ia se juntando, e a névoa que pairava sobre meu coração ia se esvaindo, e me apaixonava! Pobre infeliz que eu fui, e ainda sou ... O amor vence barreiras, mas cria várias outras invencíveis. No passar dos dias, ela virou a dona dos meus pensamentos, e meu corpo parecia que gritava por ela ... Enigma dos homens: eu, que sempre temi e recusei este amor, mais facilmente fui domado por ele!

Mas e o título? Por que então não corri a ela? Entregar-me num amor como o de Tristão e Isolda? A vida não é tão facil ... Ela me amou, mas amou outros vários sucessivamente. Um coração de cigana ela tem, "cigana oblíqua e dissimulada". Pertence ao mundo, eu diria, mas isso não é tão fácil de entender para um pobre rapaz apaixonado como eu. Pois que sofri, e como sofri ... E o fiz porque eu sabia que iria desfrutar da minha amada novamente. Porém, quando digo isso, não estou me refirindo ao corpo, mas à pessoa dela. Existiam, dentro daquela infeliz, duas pessoas distintas: a minha amada querida, e a tal da "cigana e dissimulada". Cabe dizer "que uma estava dentro da outra, como a fruta dentro da casca"... Só cabia esperar para que a outra surgisse, e eu entrava em cena. Só esperar...

E então aqui estou eu, nessa noite aqui, a escrever este texto. Não me forçarei a escrever um final brilhante, enigmático, porque à essas horas me resta pouca competência para tanto. Digo somente que eu, como muitos já sabem pela minha insistência em dize-los, sou mais um infeliz de um amor não correspondido - ou pouco correspondido, diria. A conclusão de tudo, só alguns versos de Cláudio Manuel da Costa, que em um gasto grande de paciência, tempo e competência, permitiu que eu os transmitisse aqui nessa folha sem nenhum gasto de nenhum dos três itens: " Temei, penhas, temei: que Amor tirano, onde há mais resistência mais se apura".

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