terça-feira, 10 de agosto de 2010

O Desfecho de uma história

Lua cheia. Em uma das mãos empunho a faca que deverá, como é vulgarmente dito, me levar dessa para melhor - ou para pior, eu receio. Na outra seguro um crucifixo; isso não significa, em nenhuma hipótese, que seja eu um homem religioso, mas, quando a morte se aproxima, todo esforço é pouco para pedir por perdão. Nada mais justo que, depois de uma vida de hipocrisias, eu tenha uma morte hipócrita, jurando fidelidade a tudo que repugnei. Morte, o medo dos homens, o meu medo, e vivo agora meus minutos na incerteza de tudo. Mas a incerteza não é tanta, falando-se em intensidade, mas muita, falando-se em quantidade. A vida já não me pesa nas costas, e não me interessa saber o que irá se suceder depois de mim, ou o que se sucedeu antes de mim ... Talvez o que me pese seja a culpa, o arrependimento, e esses dois são, indubitavelmente, os maiores torturadores dos homens.

O quarto onde estou já não está tão sujo, ou pelo menos é isso que eu estou percebendo agora, se é que estou percebendo algo. Minha mão está trêmula ... Mas não a mão da faca, e sim a do crucifixo. Adorar na morte o que insultei na vida é mais que hipocrisia, e meu receio de rezar a um deus no qual não acredito é maior do que o de cravar a faca em minha garganta. Não que esse último fosse pequeno porque, se assim fosse, já teria cometido o suicídio. Apertei um pouco mais a pequena cruz e coloquei-a sobre meu peito, por debaixo da camisa. Agora estávamos só eu e a faca e me pareceu que, sem o crucifixo, pesava-me mais o fato de ter de me matar. Apanhei, então, uma caneta.

Com a vida em risco, mas com um cérebro que ainda funcionava bem, pus-me a escrever algo em um papel. Palavras vagas, sem sentido, e que não valem a pena ser mencionadas. Aliás, a minha vida deveria ser considerado algo vago, sem sentido, que não vale a pena ser mencionado daqui para frente. Mas isso não significa que eu não o queira pois, afinal, o "é" difere-se muito do "deveria ser". A caneta pifou. Aquele foi, sem dúvida, o momento mais oportuno para aquela pequena porcaria pifar; ora, eu só estava prestes a me matar, que mal tem? Novamente, estava a sós com a faca. Não é necessário dizer que o medo voltou às minhas veias, e, quando apanhei outra caneta, troquei a faca por um revólver. Agora estava bem melhor.

Minha vida havia sido marcada, como a de qualquer bom político, pelos itens básicos: Poder, amor e sangue. Talvez o segundo item não tenha se apresentado de maneira significativa, mas isso não importa tanto. Agora, com a morte à minha espreita, já não me importava mais muito. Aliás, me importava sim ... O peso de simular dignidade ( não a mim, aos outros) ainda irritava-me a mente. Quando você está para morrer, só nos é importante o que pensarão de nós, o nosso legado. O que é material não tem grande relevância, apesar de, muitas vezes, ser o material que determine o que pensarão de nós. Novas palavras vagas saiam de minha mente e expressavam-se no papel. Estava mais confiante; de fato, o revólver era bem menos intimidador que a faca. Eu havia sido grande, muito grande - não no sentido literal da palavra, porque eu teria achado razoavelmente útil ter alguns 10 centímetros a mais - , o meu poder seria lembrado por gerações. Mas que poder? Fui apunhalado por amigos, por ambiciosos venenosos, e é por isso que estou aqui. Afinal de contas, não é todo o dia que um presidente da república está prestes a cometer suicídio.

Foi que, em um deslize de minha mão, surgiu no papel amassado a frase : " Serenamente, dou o primeiro passo a caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História". Finalizo então a pequena carta e dobro-a sobre o chão. Um cena teatral, confesso, mas não é o teatro um motivador milenar? Agarrei o revólver e coloquei-o sobre meu coração. Uma vida construída por sangue, agora termina em sangue - e, com essa carta, espero que resulte em sangue. Não sei se o que escrevi é certo, se esse é o primeiro passo a caminho da eternidade, mas por que não tentar? Com relação ao restante da frase, garanto que estarei certo: " Saio da vida para entrar na História".

Um comentário:

  1. "...Nada mais justo que, depois de uma vida de hipocrisias, eu tenha uma morte hipócrita..." forte, parabéns! adorei.

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